Uma palavra dita na hora errada, um fato recém revelado, um frase de grande impacto ou mesmo uma daquelas decepções cotidianas, eram alguns dos fatores que a faziam parar para pensar. Uma garota quieta, tímida mas com os pensamentos bem desenvolvidos.
Estava chovendo -e isso já era um motivo para ela querer parar para refletir- e ela sentou-se ao lado da janela de seu quarto, observando a movimentação dos pássaros para fugir da leve chuva. Ela queria refletir naquele momento, sobre alguma das infinitas coisas que a vida tem. No entanto, nada lhe veio à mente. Talvez porque as reflexões devem ser momentâneas e não planejadas.
Fechou os olhos e começou a controlar sua respiração. Respirava lentamente, sentindo o ar encher os seus pulmões. Abriu os olhos e os fez percorrerem pela desordem de seu quarto. E lá em cima da penteadeira estava o tema de sua reflexão naquele dia cinzento. Lentamente levantou-se e caminhou em direção à penteadeira, apanhou um pequeno pote com uma tampa branca e um coração desenhado, dentro dele haviam alguns coraçõezinhos perfumados.
Logo ela pensou em amor. Corações lembram amor, ela sabia disso, todos sabiam. Lembrou-se dos corações que ela via cravados em árvores, nos cantos dos cadernos das garotas de sua classe, na capa do álbum de casamento de seus pais, no seu pijama favorito, nos comerciais da TV. O amor estava ligado à tudo, inclusive à falta dele. Concluiu que o amor era como aqueles coraçõezinhos perfumados de dentro do pote, bonitos enquanto duram. Aquele perfume uma hora acabaria e então o coraçãozinho seria jogado fora, talvez alguém ainda o guardasse, caso fosse um presente de alguém especial.
Ela tinha um pote cheio deles. Cheio de corações, cheio de amor. Ele estava fechado, esquecido, enquanto muitas pessoas precisavam sentir um pouco do cheiro do amor. Anoiteceu, a menina dormiu e o pote ficou em cima da penteadeira refletindo todos os pensamentos do dia. Passado algumas horas de sono, ela despertou com o som dos pássaros em sua janela anunciando que o sol já nascera. Tomou banho, café da manhã, escovou os dentes e voltou para o quarto, apanhou seu pote de corações e saiu de casa.
Foi andando até uma praça perto de sua casa, sentou-se à sombra de uma grande árvore e ficou vendo o dia passar, sentindo o cheiro dos corações, o cheiro do amor. Seu estômago já roncava e provavelmente seus pais estariam preocupados com seu paradeiro, decidiu voltar. Caminhando lentamente pela grama da praça foi depositando ali alguns de seus corações.
Ao chegar em casa tranquilizou seus pais, pegou um pedaço de bolo e um copo de suco e subiu para o seu quarto. Sentou-se à janela, como no dia anterior, observando a movimentação dos pássaros em busca de comida. Ainda sentia o cheiro doce dos corações. O sol já estava querendo se pôr quando a garota avistou um grupo de crianças correndo pela calçada com pequenos corações na mão. Lá estavam elas, levando o amor.